O som da esperança entre grades: rádios prisionais do ES encantam o mundo e desafiam o silêncio do cárcere
Por vezes, as soluções mais humanas nascem de onde menos se espera — ou de onde, tristemente, não se espera nada. Quem imaginaria que o Espírito Santo, Estado frequentemente lembrado pelas dificuldades históricas em seu sistema carcerário, se tornaria vitrine de uma política de ressocialização elogiada por instituições internacionais?
A resposta está na potência de um microfone. Literalmente.
As rádios internas implantadas nas unidades prisionais capixabas não são apenas caixas de som penduradas em paredes úmidas. Elas são pontes. Vozes. Refúgios. Um projeto que encontrou no som a chance de reconstruir subjetividades, despertar memórias, provocar diálogos e, sobretudo, devolver às pessoas privadas de liberdade algo que o cárcere costuma sepultar: a identidade.
A Prison Radio Association, renomada entidade do Reino Unido, atravessou o Atlântico para conhecer de perto o modelo capixaba. Phil Maguire, sua principal voz, não economizou elogios. Chamou o projeto de “extraordinário” e “transformador”. Disse o que já sabíamos, mas que raramente tem espaço nas manchetes: que escutar os que erraram pode ser mais eficaz do que puni-los no silêncio.
Na prática, as rádios capixabas transmitem conteúdos sobre saúde, educação, cidadania, religião e até música — mas fazem mais do que isso. Dão protagonismo ao preso. Alguns se tornam locutores, outros operadores de som, mas todos passam a ser ouvidos. A ideia de que o detento é apenas um número começa a ruir quando ele ganha voz. E quando ele fala, ele pensa. E quando pensa, começa a se ver diferente.
É curioso — e sintomático — que a experiência britânica vá além dos muros e leve o som das celas para a sociedade, enquanto o modelo capixaba ainda se limita ao ponto a ponto. Talvez estejamos diante do próximo desafio: permitir que a sociedade também ouça, com o coração aberto, as histórias dos que erraram. Não como justificativa, mas como forma de compreender que o crime tem muitas origens e que o silêncio não resgata ninguém.
Destaca-se, ainda, a sensibilidade da Sejus ao implementar estúdios voltados a públicos específicos, como a Rádio Estação Purpurina, que atua na unidade de referência para pessoas LGBTI+. Um gesto de reconhecimento à diversidade invisibilizada atrás das grades.
Enquanto o Brasil insiste em encarcerar em massa e discutir segurança pública com discursos bélicos, o Espírito Santo — entre uma cela e outra — lança ondas de ressocialização pelo ar. Pode não parecer, mas isso é revolucionário.
Que esse exemplo nos sirva de lição. E que, cada vez mais, a Justiça saiba que recomeçar é possível. Mesmo de dentro de uma cela. Desde que se tenha voz. E alguém disposto a escutar.
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