Transparência nos gastos públicos: 30 anos da Consultoria de Orçamentos

A Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado (Conorf) completou três décadas de atuação em 2024, consolidando-se como um pilar essencial para o funcionamento do Congresso Nacional e para a gestão qualificada e transparente dos recursos públicos. Criada em em 1994 como resposta às demandas por maior controle e eficiência após a CPI do Orçamento, a Conorf tem desempenhado papel fundamental no apoio à elaboração, fiscalização e transparência do orçamento federal.

Parte de um esforço para reformular o processo orçamentário no Brasil, a Conorf tem sua origem diretamente ligada às recomendações da CPI do Orçamento, instaurada em 1993 para investigar um esquema de corrupção envolvendo parlamentares que manipulavam emendas orçamentárias em troca de benefícios financeiros.

Até os anos 1980, o orçamento público era amplamente controlado pelo Poder Executivo, com participação limitada do Legislativo. A Constituição de 1988 trouxe mudanças significativas ao ampliar as prerrogativas do Congresso Nacional no processo orçamentário. No entanto, sem uma estrutura técnica adequada para assessorar os parlamentares, o novo modelo revelou vulnerabilidades.

Essas fragilidades foram expostas pela CPI do Orçamento. Um grupo de deputados e senadores, aproveitando-se de sua participação no processo orçamentário, direcionava recursos públicos para atender interesses privados. O caso resultou na cassação de seis parlamentares, enquanto outros renunciaram ou foram absolvidos.

Diante das conclusões da CPI, ficou evidente a necessidade de criar um órgão técnico e imparcial que pudesse dar suporte ao Congresso Nacional na análise e elaboração do orçamento público. Em 1994, por meio da Resolução nº 73/94 do Senado Federal, foi instituída a Consultoria de Orçamentos.

De acordo com o atual consultor-geral da Conorf, Flávio Luz, a criação da unidade técnica foi uma resposta direta às limitações identificadas no período.

— Nós tínhamos alguns parlamentares que detinham o conhecimento […] e isso culminou na conhecida CPI dos Anões do Orçamento. […] Uma das questões principais, que culminou no surgimento da consultoria, é o entendimento de que deveria haver um órgão técnico imparcial que pudesse enriquecer o debate político na área de direito financeiro e orçamento, e pudesse, com isso, garantir aos parlamentares a sua participação plena na Comissão Mista de Orçamento e não permitir que um grupo assumisse o protagonismo.

A estruturação da Conorf foi pensada para suprir essa demanda. Seus consultores assumiram a responsabilidade de elaborar estudos e pareceres técnicos que subsidiam decisões parlamentares. Além disso, a Conorf consolidou um processo para avaliar e reduzir riscos relacionados às milhares de emendas apresentadas anualmente ao Orçamento, sempre buscando garantir que a peça orçamentária respeite as normas estabelecidas.

Papel estratégico

A Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle desempenha um papel estratégico no Senado, sendo responsável por assessorar tecnicamente parlamentares e comissões em todas as etapas do ciclo orçamentário. A Conorf consolidou-se como um dos principais instrumentos do Congresso Nacional para garantir a transparência, a eficiência e o controle no uso dos recursos públicos.

Principais atribuições da Conorf:

  • Elaboração de pareceres técnicos: a consultoria analisa projetos de lei orçamentária, como o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), além de créditos adicionais.
  • Análise de emendas parlamentares: anualmente, a Conorf avalia cerca de 9 mil emendas ao Orçamento e verifica sua compatibilidade com normas legais e constitucionais.
  • Fiscalização da execução orçamentária: a unidade acompanha a aplicação dos recursos públicos e avalia relatórios de gestão fiscal e decretos de contingenciamento.
  • Suporte técnico aos senadores: os consultores fornecem informações detalhadas para subsidiar decisões políticas e a elaboração de discursos.

—  A consultoria tem a competência de realizar estudos e fazer o assessoramento técnico sobre orçamento público e direito financeiro. Então, ao longo do ano, nós realizamos estudos críticos sobre políticas públicas, estudos sobre legislação do arcabouço fiscal, legislação do direito financeiro em geral, para subsidiar os parlamentares nas suas atividades — detalha Luz.

Ainda de acordo com ele, a consultoria atua no processo de elaboração do Orçamento como uma espécie de “guardiã das normas” do direito financeiro. O consultor-geral lembra que, na produção e na execução do Orçamento da União, existem diversas regras que devem ser respeitadas, como os pisos para a saúde e a educação, por exemplo, e os limite de despesas do governo.

A atuação da Conorf também leva em consideração o cenário mundial. Em 2024, representantes da consultoria participaram do encontro internacional de Escritórios Parlamentares de Orçamento (PROs) e Instituições Fiscais Independentes (IFIs), promovido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Atenas, na Grécia.

O evento reuniu especialistas de 41 países para discutir temas como a participação cidadã no processo orçamentário e a integração de considerações climáticas na análise fiscal — desafios que também orientam a atuação da Conorf no Brasil.

O coordenador de Projetos e Acompanhamento de Leis Orçamentárias Anuais na Conorf, Diogo Siqueira, destacou a importância de participar desse encontro.

— A participação da Conorf nesse evento internacional reforça o compromisso do Senado Federal com a transparência e a responsabilidade na gestão dos recursos públicos. As atuações dos escritórios parlamentares de orçamento ganham cada vez mais importância com os crescentes desafios na gestão orçamentária de todos os países.

A participação no evento abriu caminho para futuras iniciativas, como a proposta de criação de uma rede de IFIs das Américas, apresentada pelo Congressional Budget Office (CBO) dos Estados Unidos. Essa colaboração poderá fortalecer o monitoramento de políticas públicas em todo o continente, alinhando-se a projetos da Conorf.

Siga Brasil

Ao longo de seus 30 anos, a Consultoria de Orçamentos desenvolveu projetos que se destacam pela contribuição à transparência e ao controle social do orçamento público. É o caso do Siga Brasil. Criado em parceria com a Secretaria de Tecnologia da Informação do Senado (Prodasen), o sistema permite ao cidadão acompanhar desde a tramitação legislativa até a execução financeira dos recursos públicos. Em 2004, foi disponibilizado ao público e continua sendo aprimorado com recursos de inteligência artificial para consultas por linguagem natural.

— O Siga Brasil é uma plataforma de transparência com informações que compreendem todas as etapas do ciclo orçamentário do governo federal, da elaboração legislativa até a execução orçamentária e financeira do orçamento público. A execução orçamentária é disponibilizada ao público de forma detalhada. É possível, por exemplo, identificar quem recebeu o dinheiro referente a cada despesa orçamentária. Também é possível identificar as informações das emendas parlamentares — explica Orlando Neto, integrante a Conorf.

O consultor acrescenta que o sistema disponibiliza duas ferramentas para pesquisas avançadas sobre o Orçamento, utilizadas pela própria Conorf: o Siga Relatórios e o Siga Painéis, que permitem o cruzamento, a filtragem e a análise de todos os dados orçamentários.

Em 2006, o sistema recebeu o Prêmio Brasil de Tecnologia da Informação e das Comunicações, concedido pelo Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) com apoio da Universidade de Brasília (UnB), que reconheceu sua inovação ao democratizar informações críticas sobre o Orçamento da União.

Para o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, o Siga Brasil tem grande relevância para o acompanhamento do orçamento pela população.

— O Siga Brasil é um portal fantástico. É, a meu ver, o principal instrumento existente para o acompanhamento das contas públicas por parte da sociedade. A sua criação e os constantes aprimoramentos o tornaram uma ferramenta atualmente indispensável para a transparência e o controle social. O portal possui as três características fundamentais para a avaliação positiva de um site: a facilidade para a navegação, o amplo conteúdo e a atualização diária.

Orçamento Fácil

Mais um projeto de sucesso da Conorf, este desenvolvido em parceria com a Agência Senado, é a série de vídeos Orçamento Fácil, que traduz os complexos conceitos orçamentários com exemplos práticos e linguagem simples e acessível. O projeto nasceu com o objetivo de promover a educação orçamentária cidadã, fortalecendo a participação social nas decisões sobre destinação de recursos, o controle social dos gastos e a produção de conhecimento para apoiar decisões mais informadas.

O projeto se originou como uma atualização das cartilhas impressas sobre orçamento, evoluindo para vídeos dinâmicos que explicam temas como PPA, LDO e LOA.

— O Orçamento Fácil é uma iniciativa conjunta que traz essa questão da transparência, explicando termos orçamentários difíceis como dívida pública, resultado primário e outros, numa linguagem fácil — diz o consultor-geral.

A página do Orçamento Fácil na internet e o canal da série no YouTube contam com 19 vídeos e continuam a se expandir para incluir novos conceitos e atualizações legislativas, como alterações nas emendas parlamentares e agendas transversais de gasto público. Além disso, o projeto busca ampliar sua disseminação, priorizando estudantes do ensino médio, câmaras de vereadores e assembleias legislativas, e levar a experiência brasileira para fóruns internacionais.

Orçamento Mulher 

A Consultoria de Orçamento também lançou um olhar especial sobre os gastos destinados a políticas voltadas ao público feminino, promovendo mais clareza sobre os investimentos nessa área. Trata-se do painel Orçamento Mulher, lançado em 2022 e atualizado diariamente para acompanhar ações específicas do governo federal relacionadas à saúde, educação e assistência social.

A consultora da Conorf Rita Santos explica que era difícil interpretar o Orçamento sob os aspectos voltados às cidadãs brasileiras.

— Quando se abria o Orçamento da União, não se conseguia ter uma visão clara sobre o que estava sendo feito em prol das mulheres. Com o painel, a participação passa a ser mais igual: a gente conversa ombro a ombro com o próprio governo.

Comemorações

Como parte das comemorações pelos 30 anos da Conorf, foi lançado o livro Ensaios sobre o Orçamento Público. A obra, organizada pelo consultor-geral Flávio Luz e pela consultora Ana Cláudia Borges, apresenta uma análise aprofundada sobre temas como inteligência artificial aplicada ao orçamento, teto de gastos e resultados primários, buscando aproximar a sociedade das discussões orçamentárias.

De acordo com Ana Cláudia Borges, a obra não possui perfil acadêmico e busca traduzir o dia a dia da Conorf para aqueles que estudam orçamento ou têm interesse pelo tema.

— Embora falar de orçamento nunca seja uma coisa simples, porque alguns conceitos precisam já ser conhecidos, tentamos abordar o assunto na forma de ensaios, que proporcionam uma visão crítica do assunto, com análise do que é possível melhorar.

Além da publicação, o Senado promove nesta quinta-feira (20) sessão especial para celebrar os 30 anos da Conorf. No pedido para realizar a sessão, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) destacou a contribuição histórica da Conorf para o fortalecimento da transparência orçamentária e o suporte técnico indispensável ao Congresso Nacional:

“A Conorf, com seu quadro de pessoal altamente qualificado, tem desempenhado ao longo das últimas três décadas um papel fundamental no assessoramento parlamentar, bem como na promoção da eficiência do processo legislativo-orçamentário e da transparência orçamentária”.

Futuro

Olhando para os próximos 30 anos, a Conorf projeta um futuro ainda mais inovador e conectado às necessidades da sociedade brasileira. Segundo Flávio Luz, um dos principais desafios será transformar os dados orçamentários em informações mais acessíveis e compreensíveis para a população. Ele explica que esse processo inclui associar os números do Orçamento aos resultados concretos das políticas públicas, como escolas construídas ou melhorias salariais para professores.

A consultoria também prevê investimentos contínuos em ferramentas tecnológicas, como inteligência artificial, para aprimorar a transparência e a eficiência no acesso às informações orçamentárias. Flávio Luz destaca o potencial da tecnologia para transformar a experiência dos cidadãos com o sistema Siga Brasil.

— O cidadão vai buscar na internet com a linguagem natural uma informação: “Quantos reais foram transferidos para o estado de Pernambuco?” Escreve dessa forma e acha ali no Siga Brasil.

Vinícius Gonçalves, sob supervisão de Patrícia Oliveira

Fonte: Agência Senado

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