Assembleia do ES nasce sob comando da elite Sob o regime monárquico, primeira legislatura foi instalada em 1835
A presença de padres, fazendeiros, juízes e militares marcou, na primeira metade do século 19, as décadas iniciais do trabalho legislativo no Espírito Santo, pautado nos debates para universalizar a educação, nas disputas entre liberais e conservadores, nas decisões acerca do movimento abolicionista e nas preocupações com o desenvolvimento da província capixaba.
Padres, militares, juízes de paz, fazendeiros e comerciantes compuseram a primeira bancada parlamentar capixaba, há 190 anos. Vinte deputados formaram a primeira legislatura da Casa de Leis da Província do Espírito Santo, com mandato de três anos (1835-1837).
Em 30 de janeiro de 1835 houve a primeira sessão preparatória e os trabalhos da primeira legislatura foram instalados em 1º de fevereiro. Cumpria-se, assim, o Ato Adicional 16, de 12 de agosto de 1834, que modificou a Constituição do Império do Brasil, extinguindo os Conselhos Provinciais e criando as Assembleias Legislativas Provinciais em todo o país.
Os Conselhos Gerais Provinciais tinham sido instituídos pela primeira Constituição Brasileira, em 1824, e eram submetidos ao poder central, sem autonomia. Eles substituíram as Juntas Provisórias de Governo, previstas na primeira Constituição de Portugal, de 1822, que também nomeou de províncias as antigas capitanias.
Os deputados provinciais da primeira legislatura foram escolhidos pelo processo eleitoral censitário. Não era qualquer cidadão livre que podia votar, mas apenas quem possuía determinada renda anual. Para ser votante (primeiro grau) e eleger o colégio eleitoral, exigia-se renda mínima anual de 100 mil réis, contemplando, assim, os artesãos e os pequenos proprietários e comerciantes. Já o colégio eleitoral (que elegia os deputados) era composto por pessoas com renda de 200 mil réis anuais, a elite econômica. Em 1846, esses valores aumentaram para 200 mil e 400 mil réis, respectivamente.
Criação das Assembleias Provinciais
Desde 1831, o Brasil vivia o Período da Regência, com a volta de dom Pedro I para Portugal, deixando na Corte o herdeiro do trono, dom Pedro II, com apenas cinco anos de idade. A instituição das Assembleias Provinciais no Império do Brasil foi vitória da corrente liberal contra a ala conservadora nos bastidores do poder central do país.
Na primeira metade do século 19, disputavam o Poder Legislativo os monarquistas conservadores, os monarquistas liberais, os conservadores e integrantes de vários matizes do liberalismo. Essas correntes buscavam ocupar os espaços políticos na Corte e no Parlamento, no Rio de Janeiro, capital do Império, sendo precursoras do Partido Conservador e do Partido Liberal surgidos no período monárquico. Vale registrar que o príncipe-regente e posteriormente imperador dom Pedro I tinha ideias liberais e influenciou a Constituição outorgada em 1824.
Ao avaliar esse período político, a historiadora e pesquisadora do Departamento de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Adriana Pereira Campos afirma que a elite política do Espírito Santo recebeu muito bem a instituição das assembleias e a autonomia das províncias, contando, inclusive, com o apoio de dom Pedro I. Confira no vídeo a seguir.
Originalmente, as Assembleias Provinciais, de acordo com o Ato Adicional de 1834, podiam legislar. Entretanto, em 1840, a Lei 105, a chamada “Lei de Interpretação”, fez uma releitura de artigos da reforma constitucional, retirando a autonomia provincial ao restringir a atribuição de organização judiciária, administrativa, orçamentária e fiscal, assegurada até então aos governos e assembleias pelo Ato Adicional 2.
Por um lado, havia descontentamento devido à limitação política das Assembleias; por outro, as Câmaras Municipais reclamavam da centralização administrativa e legislativa com o advento das Assembleias Provinciais, que passaram a acumular atividades antes nas mãos do poder local das vilas.
Religiosos no poder
A Igreja Católica exerceu um poder político importante e influente nas décadas iniciais das Assembleias Provinciais. Na segunda sessão preparatória, a 31 de janeiro de 1835, os deputados foram à Igreja Matriz prestar o juramento sob o canto da “Veni Sancte Spiritus”.
Na ocasião, o presidente da Assembleia colocou a mão direita sobre a Bíblia e repetiu em voz alta a palavra lida pelo secretário: “Juro aos santos evangelhos manter a religião Católica, Apostólica, Romana e promover fielmente quanto a mim couber o bem geral desta Província do Espírito Santo, dentro dos limites marcados na Constituição do Império e lei de sua reforma, assim, Deus me ajude”. Por sua vez, os deputados repetiram, dois a dois, com as mãos sobre o livro sagrado: “Assim juro”.
O poder da Igreja Católica é demonstrado na escolha do primeiro presidente da Assembleia – um padre –, o reverendo João Clímaco de Alvarenga Rangel, que já presidira as duas sessões preparatórias nos dias 30 e 31 de janeiro de 1835. Padre João Clímaco de Alvarenga Rangel era grande orador. Representava também o Espírito Santo na Assembleia Geral, no Rio de Janeiro.
Como vice-presidente foi escolhido o padre Manoel D’Assunção Pereira. Além deles, mais outros três padres foram eleitos: João Luiz da Fraga Loureiro, Ignácio Félix de Alvarenga Sales e Francisco Ribeiro Pinto. A professora Adriana Campos explica, no vídeo a seguir, como se dava a influência política dos padres.
Os religiosos tinham formação superior sólida, eram cultos, intelectuais e, preparados para liderar, ocupavam cargos importantes. Outros deputados pertencentes à elite econômica também acompanhavam o nível cultural dos religiosos e, dentre aqueles, havia advogados, médicos, engenheiros e oficiais militares originados na sociedade escravista da época e com estudos no Rio, São Paulo, Recife e Portugal.
Além dos padres, compuseram a primeira legislatura capixaba no Império os seguintes deputados: Luís da Silva Alves de Azambuja Suzano, Francisco Pinto Homem de Azevedo, José de Barros Pimentel, Manoel de Moraes Coutinho, Dionísio Álvaro Rozendo, Manoel Pinto Rangel e Silva, Joaquim da Silva Caldas, Manoel de Siqueira e Sá Júnior, Miguel Rodrigues Batalha, Ayres Vieira de Albuquerque Tovar, Inácio Pereira Duarte Carneiro, Manoel da Silva Maya, José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, Sebastião Vieira Machado e João Nepomuceno Gomes Bittencourt.
Os quatro últimos, posteriormente, seriam substituídos pelos suplentes José Gonçalves Fraga, Manoel Serafim Ferreira Rangel, Francisco Ribeiro Pinto, Joaquim Vicente Pereira, além do padre Manoel Antônio dos Santos Ribeiro.
Primeiras leis
A organização administrativa da Província do Espírito Santo foi alvo principal das primeiras leis do Parlamento capixaba aprovadas em 1835:
- Lei 1 – Estabelece número de funcionários do Executivo.
- Lei 2 – Fixa os subsídios de juízes de direito.
- Lei 3 – Cria na Vila de São Mateus uma cadeira de gramática latina.
- Lei 4 – Cria uma cadeira de primeiras letras para a educação feminina, em Vitória.
- Lei 5 – Autoriza o presidente da Província a reformar a divisão dos termos e comarcas.
- Lei 6 – Estabelece privilégio exclusivo, por dez anos, de imprimir todos os papéis de ordem e de ofício da administração pública ao primeiro empreendedor nacional ou estrangeiro que estabelecer tipografia na capital.
- Lei 7 – Fixa o subsídio dos deputados para a legislatura seguinte.
- Lei 8 – Estabelece a data de 8 de setembro para a abertura dos trabalhos legislativos.
- Lei 9 – Cria a Companhia de Guarda Policial da Província.
- Lei 10 – Proíbe a puxada e levantamento de mastros e o uso de máscaras em toda a Província.
Regimento interno
A 4 de fevereiro de 1835, foram eleitos pelo Plenário os primeiros colegiados permanentes de deputados – as comissões de Municipalidades e Administração de Bens Provinciais; Contas e Orçamento Provincial e Municipal; Polícia, Catequese, Saúde Pública; Redação, Negócios Eclesiásticos; Juízes de Paz, Estatística Civil e Criminal; Minas e Bosques. Também há registro da criação das comissões de Marinha Provincial e de Petições. No total, foram instituídas oito comissões permanentes e algumas especiais com funcionamento temporário.
Os primeiros deputados trouxeram para o debate temas candentes e há muito tempo preocupações dos capixabas, como a segurança e a defesa contra os ataques dos indígenas botocudos e a distribuição de terras para os imigrantes.
Outra pauta recorrente foi a reabertura da Estrada São Pedro de Alcântara, ligação da capital Vitória com a então Vila Rica, na Província de Minas Gerais. A passagem havia sido construída no governo de Francisco Rubim e era uma alternativa à navegação pelo Rio Doce, alvo dos ataques dos indígenas, mas ficou desativada por anos devido ao alto custo de manutenção. Os parlamentares reivindicavam sua reativação e formação de colônias ao longo da estrada.
O poder da Igreja
O catolicismo era a religião oficial do Império, de acordo com a Constituição de 1824. Outras religiões eram permitidas, mas sem templos. O imperador exercia o padroado, poder de intervir nas nomeações de bispos e nas decisões dos tribunais eclesiásticos.
Em fevereiro de 1891, o Brasil recebeu uma nova Constituição, fundada em princípios do liberalismo, democracia representativa, federalismo e presidencialismo. Consolidou-se também a separação entre a igreja e o Estado, com o fim da subvenção e dos instrumentos do padroado e do beneplácito (aprovação pelo monarca das ordens papais). Instituiu-se também o casamento civil e os cemitérios passaram a ser geridos pela administração municipal.
Até 1891, a Assembleia Legislativa aprovava os estatutos das ordens religiosas. Cabia às paróquias o registro dos nascimentos, mortes, casamentos, as igrejas eram construídas com recursos públicos e os vigários recebiam gratificações da província e recursos para aquisição de paramentos litúrgicos. É o que demonstra relatório anual do presidente da Província do ES, Manoel da Silva Mafra, apresentado aos deputados, em 1878.
“Toda proteção à religião cristã, reconhecida pela Constituição do Império e abraçada pelo País inteiro, é um dever dos governos, é uma das mais santas obrigações que ele tem a cumprir. E para que a religião que professamos (…) produza vantajosos resultados (…) cumpre rodeá-la de todo prestígio e pompa (…). Para este fim, é mister reedificar os templos, orná-los das precisas galas e do maior esplendor”.
Maioria liberal
Desde as primeiras décadas do século 19, houve intenso debate no Parlamento e na Corte entre conservadores e liberais. O Espírito Santo reproduziu tais divergências. A 17ª legislatura (1868/1869) consolidou a hegemonia dos liberais no Legislativo capixaba. Os liberais defendiam o fim do Poder Moderador e da Guarda Nacional, a descentralização do poder, a abolição da escravatura e reformas eleitorais.
Deputados como Clímaco Barbosa de Oliveira, José Correa de Jesus e Joaquim Pires do Amorim eram os mais radicais. “Os seus discursos eram verdadeiras produções neoclássicas, marcados pela intenção de persuadir através do requinte da retórica (…), citavam os filósofos gregos e romanos e usavam metáforas para comparações eruditas”, registram os pesquisadores.
Clímaco Barbosa de Oliveira foi autor da Resolução 32/1869, que reformou a instrução pública. Causou grandes polêmicas no Plenário porque os deputados consideraram as propostas avançadas demais. A instrução para as meninas, à época, incluía bordado, costura e outras disciplinas de prendas domésticas.
O deputado Correa de Jesus contrapôs-se ao projeto questionando como o pai de família reagiria a uma lei que obrigava a filha a estudar, e ainda em classe mista, ao lado de colegas e professores homens. A adoção da primeira escola mista veio apenas em 1888, assim mesmo para as colônias estrangeiras e ainda com cautela.
Discurso do presidente José Fernandes da Costa Pereira Júnior, em 1864, dá a ideia da situação à qual a mulher estava submetida: “Em quase a totalidade da Província, a mulher ainda é considerada coisa, sem os direitos do homem. É ainda a escrava, que não pode sentar-se à mesa da inteligência com seu senhor (…), pois nada lhes cabe na refeição do espírito”.
Na década de 1850 e 1860, o Legislativo se ocupou de elaborar inúmeras leis voltadas para a implantação de salas de aulas, renovação curricular, contratação de professores e educação para as mulheres. Até 1854, havia somente uma escola para as meninas, instalada em Vitória.
A partir de 1870, por ordem do imperador, os governos provinciais passaram a debater a reforma do ensino no país. Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, foram discutidas e aprovadas mudanças radicais para a época: curso de habilitação para professores, caixa beneficente, obrigatoriedade do ensino e classe mista.
Movimento abolicionista
O movimento abolicionista também agitou a Assembleia Provincial do ES. Personalidades como Cleto Nunes Pereira, José Fernandes Costa Pereira, Gil Reis Goulart, Moniz Freire (pai e filho), Lídio Molulo, Tito da Silva Araújo, Alpheo Monjardim, José Feliciano Horta de Araújo, defensores da causa, ocuparam cadeiras no Parlamento.
O outro lado, a favor da manutenção da escravatura, também tinha representantes na Assembleia. Já na primeira legislatura de 1835, a Casa legislativa capixaba debatia proposta do deputado Joaquim da Silva Caldas para criar uma guerrilha em São Mateus destinada à captura de escravizados fugitivos.
Outro projeto, de autoria do deputado Siqueira Júnior, proibia as escolas públicas e privadas a ensinar a ler, escrever e contar, bem como quaisquer artes ou ofícios e indústrias, a pessoas que não fossem livres. Ambos os projetos foram rejeitados pelo Plenário. Mas em 1845, diante das tentativas infrutíferas do governo em destruir os quilombos, a Assembleia aprovou a Lei 8, autorizando o Executivo a criar um corpo de guerrilha para combater os quilombolas. As guerrilhas foram instituídas na Cidade de São Mateus (1852), Vila da Serra (1858), Vila de Itapemirim (1867) e Vitória (1877).
Insurreição de Queimado
Apesar da ação das guerrilhas, das punições aos escravizados e até de multas aos proprietários dos fugitivos, os quilombos aumentavam em número. A 19 de março de 1849, na Freguesia de Queimado, estourou uma rebelião de cerca de 200 escravizados. No auge dos dois dias de rebelião, alguns senhores de escravos foram obrigados a assinar cartas de alforria.
A Insurreição do Queimado, como ficou conhecida a rebelião, foi dura e prontamente reprimida: cinco de seus líderes foram condenados à forca, três fugiram e dois executados, Chico Prego e João da Viúva. Além disso, houve açoitamento dos rebelados, com 300 a 1.000 chibatadas, no Pelourinho do Cais de Vitória.
Reação do Poder Legislativo
Após a Insurreição de Queimado, a Assembleia autorizou o Executivo a despender recursos para restabelecer a ordem. Em sessão de 22 de março, três dias depois do conflito e ainda no calor dos acontecimentos, o deputado João Luiz da Fraga Loureiro (padre) declarou o seu afastamento por duas sessões “por julgar de absoluta necessidade sua presença com a família e a de seus escravos na fazenda de Carapina por ser crítico o estado de coisas originado pela insurreição”.
A Assembleia se encarregou também de tomar medidas preventivas, aprovando restrições à população, principalmente aos escravizados. A Lei 6/1849 proibiu as Câmaras Municipais de concederem licenças para a venda indistintamente de armas, chumbo e balas.
Já a Lei 10 determinou “que nenhum escravo poderá andar pelas ruas da vila com armas de fogo sob pena de cinquenta açoites, nem com qualquer instrumento cortante, perfurante ou contundente sob pena de vinte e cinco açoites além das marcada pelo código. A pena descrita acima será aplicada em dobro quando a infração for cometida à noite”. Essa norma ainda impôs prisão e castigo ao escravizado que fosse encontrado depois do toque de recolher, mesmo sem arma.
As medidas se estenderam a ferreiros e comerciantes, proibidos de fabricarem armas contundentes e venderem facas de ponta. Para se consertar armas de fogo, era preciso ter licença de delegado de polícia.
Cerco aos escravizados
As Câmaras Municipais também adotaram leis para controlar a circulação pública dos escravizados. As resistências aumentavam à medida que a campanha abolicionista ganhava corpo a partir da década de 1860. O escravizado nada podia comprar, vender ou portar, nem circular à noite, depois do toque de recolher, sem a expressa autorização de seu proprietário. Já os comerciantes ficaram proibidos de consentir reuniões de escravizados.
As restrições incluíam as festas do entrudo (Carnaval) e São Benedito, proibindo-se danças e reuniões de negros. Para todas as infrações eram aplicados severos castigos e multas aos proprietários de escravizados e comerciantes.
Antes disso, já no Conselho Provincial, em 1833, debatia-se a proibição do uso de máscaras e o ato de levantar mastros nas portas das igrejas. Em 1835, a Assembleia Provincial aprovou a Lei 10, contra a puxada e levantamento de mastros, jogo do entrudo e uso de máscaras. Se a infração fosse cometida por escravizado homem, o castigo seria de 50 açoites; se fosse mulher, 48 palmatórias. Deputados consideravam os atos dos negros como abusos de comportamento e cobravam do Executivo, em 1836, o cumprimento da norma.
Mas a Lei 2, de 1844, revogou tal proibição. Foi concedida liberdade para a prática da tradicional festa, permitindo às irmandades, confrarias e particulares puxar e levantar mastros, como também organizar feiras em suas festividades.
Após 13 de maio de 1888, coube também à Assembleia aprovarem a Resolução 15, apresentada pelo deputado Alpheo Monjardim extinguindo toda a dívida municipal e provincial referente a impostos sobre transações comerciais envolvendo negros. É que sobre a circulação e venda de escravizados eram cobrados tributos: o proprietário pagava 10 mil réis por escravizado que saísse da província; 15 mil em caso de esse exercer ofício de mecânico; e 50 mil a cabeça na transmissão de posse a outro dono.
Economia na Monarquia
O desenvolvimento do Espírito Santo foi uma das preocupações constantes dos deputados na Assembleia Provincial, que também se debruçaram para discutir os impactos da abolição da escravatura na economia capixaba.
Até o início do século 19, a principal atividade econômica acontecia no norte, em São Mateus, que produzia mandioca para a fabricação de farinha. O produto era levado para a Bahia e de lá exportado.
Segundo o professor do Departamento de Economia da Ufes Ednilson Silva Felipe, a produção em São Mateus não tinha grandes dimensões frente à nacional, mas estava em conexão com a economia baiana. Embora tenha sido polo de desembarque de negros, o número deles no trabalho agrícola era pequeno no norte capixaba. Posteriormente, o sul da província foi que utilizou largamente a mão de obra escravizada.
Atraso e isolamento
No Parlamento capixaba, eram comuns discursos dos deputados reclamando recursos da Coroa e protestando contra o isolamento que sofria o Espírito Santo em relação ao poder central e às demais províncias.
Em 1851, os deputados formalizaram reclamação reivindicando que o transporte marítimo na costa brasileira incluísse em sua rota escalas em Vitória e outras cidades do litoral capixaba. Um dos argumentos foi que o mesmo transporte aportava em outras províncias pobres e tão pouco desenvolvidas como a do Espírito Santo. Até então a comunicação do norte da província capixaba com a capital São Salvador, na Bahia, dava-se, precariamente, por via marítima, em períodos intermitentes.
Ednilson Silva observa que, naquela época, não havia nenhum “produto consolidado no sul, nem na capital, Vitória, que economicamente continuava menos significante durante muito tempo. Não havia interesse de se fazer um link logístico entre Minas e a capital, nem com o sul”.
De 1836 a 1889, o Espírito Santo assistiu a um crescimento vertiginoso em seu orçamento, mas as receitas da província estavam aquém das demandas.
Os presidentes da província, a cada abertura dos trabalhos legislativos, pediam aos deputados leis para novas formas de arrecadação. As loterias, fracassadas em 1838, voltaram a ser criadas, tentou-se a fundação de uma caixa econômica, entre outras medidas. Curiosa foi a solicitação dos parlamentares à Assembleia Geral Legislativa, no Rio, cobrando antiga dívida do governo central com a província, relativa aos anos de 1839 a 1845, no valor de 55 contos e 96 mil réis.
Crescimento da economia
Na década de 1870 cresceram as receitas da província, consequência do aumento da produção agrícola. A Assembleia Legislativa é demandada por incentivos e privilégios para novos estabelecimentos comerciais e industriais, como os de cerveja, tijolos, telhas, canos, ladrilhos, sabão, velas, azeite de sebo, confeitaria, refinaria de açúcar e construtora. O comércio exportador é impulsionado.
O crescimento da economia é atribuído aos “braços livres” dos imigrantes europeus, que chegaram a partir da década de 1840. Começava a nascer na província um novo polo econômico no sul, na região de Cachoeiro de Itapemirim.
Ao contrário do ocorrido na província de São Paulo, onde a mão de obra assalariada do imigrante, pelo menos em parte, deu certo, no Espírito Santo não vingou. “Essas pessoas, não dando certo como mão de obra livre nas fazendas, passam a oferecer outros serviços para as pequenas comunidades. Aqueles que conseguem sua terra, ficam com ela, mas outros passam a oferecer trabalho em construção, manutenção, há uma gestação de um mercado de trabalho”, relata o pesquisador Ednilson Silva Felipe.
As imigrações que aconteceram na província tinham motivações diversas e se deram por ondas, em consonância com o movimento histórico da economia capixaba, como analisa o professor.
Entretanto, a mudança foi lenta. Em mensagem à Assembleia em 1875, o então presidente da província, Domingos Monteiro Peixoto, apontava o atraso na agricultura: “…é forçoso reconhecer que a lavoura da província não há conseguido o esperado incremento. À necessidade de braços que já vão se rareando com os naturais efeitos da lei humanitária de 28 de setembro de 1871 [Lei do Ventre Livre], à falta de boas e bem dispostas vias de comunicação, à deficiência de capitais, e à ausência absoluta de emprego de máquinas aratórias, deve-se esse atraso que se observa em nossa lavoura”, relatou Peixoto.
Apesar disso, a economia capixaba passou por evolução após o final do ciclo do ouro, o fim das capitanias e adoção das províncias, contando com mais autonomia no contexto de independência em relação à Portugal e primeira Constituição brasileira, outorgada por dom Pedro I. Quem explica esse cenário é o professor Ednilson Felipe. Ele considera que o isolamento da província capixaba tem duas origens que se interligam: o problema físico – o Rio Doce e as montanhas ainda não desbravadas – e a atividade econômica propriamente dita.
Última sessão
A última sessão legislativa da Assembleia no período monárquico iniciou-se a 9 de julho de 1888. Foi a 27ª do biênio 1888/1889, sob a presidência de Antônio Leite Ribeiro de Almeida e com apenas 15 deputados dos 24 eleitos. Três faltaram e outros seis estavam com a elegibilidade pendente de aprovação. Foram aprovados 57 projetos, 28 pareceres, uma indicação e dois requerimentos indicativos ao governo. A 15 de novembro do ano seguinte foi proclamada a República. A Assembleia voltaria a se reunir somente em 1891, sob uma nova Constituição federal.
Nessa sessão de julho/agosto de 1888, o deputado do Partido Liberal José de Mello Carvalho Muniz Freire, depois de derrubar alguns projetos dos conservadores, fazendo uso de sua habilidade argumentativa, propôs e foram aprovados dois projetos. Um deles autorizava o empréstimo de mil contos de réis para a entrada de 30 mil imigrantes na província. O segundo tratava do abastecimento de água e esgoto na capital, propondo, pela primeira vez, um empreendimento empresarial para resolver a questão.
O ato da Princesa Isabel, revogando a escravatura a 13 de maio de 1888, repercutiu nos debates e atos da Assembleia Provincial capixaba. O deputado Joaquim Vicente, na sessão de 1888, justificava a criação de um distrito de paz na localidade de Furado, em Nova Almeida: “Hoje, com a abolição do trabalho servil, têm entrado para aquela povoação duzentos indivíduos ex-escravos que não tendo outros afazeres, dedicavam-se a vagabundagem e a batucagem”.
Faltou quórum
Houve várias tentativas de se instalar a sessão legislativa de 1889. Os conservadores coronel Manoel Ferreira de Paiva, Eugênio Pinto Netto, Alferes Mariano Nazareth, Joaquim Vicente Pereira e os liberais Alpheu Adelpho Monjardim de Andrade e Almeida e capitão Joaquim Correa de Lírio tentaram em vão, de 16 a 30 de setembro, abrir a sessão com número regimental. A 1º de outubro, o governo adiou a instalação da sessão para 31 de outubro, mas somente três deputados conservadores compareceram. Assim, esvaziado e sem aviso prévio, o Parlamento capixaba do período imperial encerrou suas atividades.
Muniz Freire, na última sessão legislativa do império, externou o que ele entendia do estado de espírito capixaba de então: “Nós somos filhos de uma província pequena que só é conhecida como arrecadadora das rendas imperiais (…)”. E continua, “Nós temos uma experiência longa a demonstrar que não devemos confiar senão nos nossos próprios esforços (…)”.
A Lei 20, do governo imperial, de novembro de 1889, dissolveu e extinguiu as assembleias provinciais, criadas por leis de 1832 e 1834. A Assembleia Legislativa da Província do Espírito Santo funcionou sem interrupção durante 54 anos, em 27 legislaturas. O mandato dos deputados era de dois anos.
A 15 de novembro, é proclamada a República e nascem os Estados Unidos do Brasil. O primeiro presidente do agora Estado do Espírito Santo foi Afonso Cláudio de Freitas Rosa.
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Este texto integra uma série de matérias sobre os 190 anos da Assembleia Legislativa capixaba. Ele é resultado de entrevistas com especialistas e de pesquisa jornalística realizada no Arquivo Geral da Ales, Biblioteca Pedro Calmon, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo e Instituto Jones dos Santos Neves, além de extensa bibliografia, incluindo trabalhos acadêmicos de várias universidades, como artigos científicos, dissertações, teses e livros publicados.
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