Um passo adiante na lei, muitos ainda por dar na vida das mulheres brasileiras

Aprovadas no Senado, novas leis voltadas à proteção e promoção da saúde e dignidade das mulheres foram celebradas neste mês de julho como marcos de avanço. E de fato são. Em um país onde o feminicídio é uma tragédia cotidiana e a desigualdade de gênero resiste como estrutura, cada linha sancionada é um suspiro de justiça. Mas que ninguém se engane: não basta escrever leis – é preciso garantir que elas toquem a vida real de quem precisa delas.

A Lei 15.125, que autoriza o monitoramento eletrônico de agressores, é um exemplo claro de como o papel pode, sim, salvar vidas. Para muitas mulheres, a tornozeleira no agressor pode significar o fim do terror de viver esperando o próximo ataque. Já passou da hora de medidas protetivas deixarem de ser meros papéis que o agressor ignora impunemente.

Outro avanço simbólico e necessário é o reconhecimento de novas formas de violência com o uso de inteligência artificial. Deepfakes com pornografia falsa de mulheres são um novo tipo de apedrejamento digital. A Lei 15.123, que agrava as penas para esses crimes, é mais do que justiça: é um recado. A tecnologia não pode ser mais uma arma contra as mulheres.

No campo da saúde, leis como a que amplia o direito à reconstrução mamária e a que cria o programa de reconstrução dentária pelo SUS escancaram uma verdade negligenciada: violência contra a mulher não é apenas física ou emocional – é também a destruição da autoestima. Dar acesso a cirurgias reparadoras e tratamentos odontológicos especializados não é luxo, é reparação.

Mas enquanto essas leis nascem, outras conquistas correm risco. A proposta do novo Código Eleitoral, ao reduzir as exigências de cotas para candidaturas femininas e propor apenas 20% de cadeiras para mulheres no Legislativo por 20 anos, parece nos oferecer um prêmio de consolação envenenado. Como bem disse a senadora Zenaide Maia, isso não é igualdade, é conformismo com a desigualdade.

A democracia não pode se contentar com a lógica da escassez para as mulheres. O mínimo de 30% de candidaturas não é uma esmola, é um piso civilizatório. Retirá-lo em nome de um “consenso possível” entre congressistas majoritariamente homens é ignorar a própria razão de ser dessas leis que agora celebramos.

É inegável: as senadoras estão construindo, com coragem e consistência, um caminho de transformações importantes. O novo gabinete da Bancada Feminina é mais que um espaço físico – é um símbolo da presença, da resistência e da articulação política necessária para fazer do Senado um espaço que reflete melhor a sociedade que representa.

Ainda assim, a realidade fora do plenário continua brutal. Milhões de brasileiras seguem enfrentando agressões, desigualdades salariais, julgamentos sociais e estruturas machistas. E embora a caneta do Congresso tenha escrito avanços, é nas delegacias, nos hospitais, nas escolas, nos tribunais e nas casas de mulheres anônimas que essa luta precisa se concretizar.

Celebrar as novas leis é justo. Mas só descansaremos quando elas não forem mais necessárias. Até lá, que o Congresso continue escrevendo com coragem – e que o Brasil aprenda, enfim, a ler com justiça.

Foto: Andressa Anholete/Agência Senado

 

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