Uma casa, muitas esperanças: ressocialização, ecologia e dignidade sob o mesmo teto em Viana
Em tempos em que tanto se fala sobre reconstrução social, justiça restaurativa e sustentabilidade, a entrega da primeira casa ecológica construída com tijolos do sistema prisional capixaba é mais do que uma simples boa notícia. É um gesto simbólico de grande potência. Não se trata apenas de um lar de 44 metros quadrados entregue a uma família que vivia em uma casa de lona. Trata-se da materialização de uma política pública ousada e necessária — que aposta na reintegração social de pessoas privadas de liberdade e no uso inteligente de recursos sustentáveis.
O projeto, fruto da parceria entre a Secretaria da Justiça (Sejus) e a Prefeitura de Viana, é um exemplo vivo de como o sistema prisional pode e deve sair da lógica punitiva estéril para se tornar um vetor de transformação coletiva. Ao envolver cerca de 30 internos na produção de 13 mil tijolos ecológicos e na construção da casa do início ao fim, o Estado não apenas forma mão de obra qualificada, mas planta valores que dificilmente florescem no cárcere tradicional: solidariedade, propósito, pertencimento.
E o impacto vai além dos muros da penitenciária. Gilmar e Eliane, o casal que perdeu tudo em um incêndio acidental, não ganharam apenas uma moradia — receberam um recomeço. Uma casa com paisagismo feito por internos, móveis produzidos por mãos que também buscam reconstrução e, talvez o mais importante, a sensação de que o Estado, por vezes tão ausente, foi capaz de estender a mão com dignidade.
Do ponto de vista ambiental, o projeto também acerta. Os tijolos ecológicos utilizados dispensam a queima, reduzem o uso de cimento e têm encaixe inteligente, exigindo menos argamassa e acabamento. Isso representa não só economia, mas respeito ao meio ambiente. Soma-se a isso o trabalho da marcenaria prisional, que produziu todo o mobiliário do lar entregue — provando que é possível desenvolver programas prisionais que capacitam e beneficiam a sociedade.
Mas é preciso que esse gesto inaugural não se encerre como caso isolado, nem como vitrine de ocasião. O projeto Ressocializar Sustentável deve ser expandido, replicado e estruturado com a mesma seriedade com que foi pensado. Que mais casas sejam erguidas. Que mais internos vejam, no trabalho digno, uma chance concreta de mudança. Que mais famílias sejam alcançadas com ações que unam justiça e humanidade.
Transformar o sistema prisional em um canteiro de reconstruções — de vidas, de casas, de valores — pode ser uma das respostas mais inteligentes e humanas que o poder público já ensaiou. Que esse tijolo ecológico sirva de alicerce para uma nova cultura penal e urbana, onde todos, sem exceção, possam se sentir parte de algo maior.
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