Produtores criticam norma para importação de cacau Em reunião da Comissão de Agricultura segmento apontou riscos da introdução de pragas no país com a flexibilização de normas sanitárias para compra de amêndoas
Em audiência pública realizada nesta terça-feira (25), o segmento produtor de cacau criticou a Instrução Normativa (IN) 125/2021 emitida pelo Ministério de Agricultura (Mapa). Na avaliação dos participantes, o documento flexibiliza as regras fitossanitárias para importação de amêndoas da Costa do Marfim, na África, e gera preocupação sobre a introdução de pragas em território brasileiro.
Promovida pelo colegiado de Agricultura, a reunião também contou com a presença de membros dos Executivos estadual e federal. Tanto o secretário de Estado de Agricultura (Seag), Ênio Bergoli, quanto o superintendente do Mapa, Eduardo Farina, defenderam o teor técnico da IN 125/2021, mas ponderaram que estariam abertos para fazer os encaminhamentos políticos acordados no segmento.
“Com relação à parte técnica da instrução normativa, ela foi feita dentro da formalidade, de forma perfeita”, avaliou Bergoli sobre o protocolo criado a partir do documento. No entanto, não descartou as implicações da medida. “Será que houve (…) pouco rigor na análise de risco de pragas?”, questionou.
“Do ponto de vista tanto técnico quanto político o governo do Estado está solidário para construir (…), se for o desejo da Casa e da comissão, o encaminhamento necessário para reverter e não só verbalizarmos isso sem eco nenhum. O que muda uma instrução normativa tecnicamente perfeita é Brasília, não é aqui. Aqui nós precisamos do apoio político”, disse o titular da Seag.
Eduardo Farina concordou e falou dos interesses em torno da medida. “Houve critérios técnicos para se construir a norma”, frisou. “A gente tem que lembrar que tem indústria e tem produtor, e há interesses diferentes”, completou. Segundo ele, qualquer que seja o entendimento do setor produtivo capixaba, a superintendência levará as demandas para o conhecimento da Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa.
Secretário de Agricultura de Linhares, cidade de maior representatividade no setor do Espírito Santo, Franco Fiorotti cobrou profundidade para debater os riscos fitossanitários dada a importância da cultura, que injeta, por ano, R$ 68 milhões no PIB do município. Ele lembrou que lá a cacauicultura é associada à preservação da vegetação natural (cabruca).
“A representatividade do cacau é muito significativa, qualquer deslize, qualquer passo diferente, vai afetar diretamente questões econômicas, sociais e ambientais. Então por isso que esse debate se torna muito importante”. Fiorotti fez um paralelo com o mamão capixaba exportado para a Europa seguindo critérios “rigorosíssimos” e as exigências da Instrução Normativa 215/2021, consideradas mais frouxas.
Presidente da Comissão de Agricultura, o deputado Lucas Scaramussa (Podemos) realçou a falta de proporção nas regras de commodities importadas e exportadas. “O que a gente está discutindo é exatamente isso, o que a gente recebe não chega nem perto de absolutamente nada do que a gente atende com prazer e com responsabilidade para entregar para o melhor do mundo”.
Patógenos
O professor titular da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), na Bahia, Jadergudson Pereira, discorreu sobre os riscos de entrada de patógenos que acometem frutos colhidos na Costa do Marfim, como a Phytophthora megakarya e a Striga spp. É desse país que a indústria importa milhares de toneladas das amêndoas anualmente que entram no Brasil pelo porto de Ilhéus.
Segundo ele, a Phytophthora megakarya, que causa podridão no cacau, “está em vias de ser introduzido aqui no estado da Bahia e consequentemente na cacauicultura brasileira”. Durante a sua apresentação, ele mostrou fotos de produtores africanos em que sementes condenadas pela praga são aproveitadas junto com as demais.
A IN 125/2021 suprime o inciso I do parágrafo 2º da IN 18/2020, que exigia o tratamento com brometo de metila nas importações para controlar pragas, entre outras, como a Phytophthora e a Striga spp. Segundo o professor, essa substância é a única com eficiência conhecida para controlar esses patógenos oriundos da África.
“Mesmo com a supressão (…) do Phytophthora megakarya da instrução normativa número 125 de 2021, o Ministério da Agricultura mantém na sua lista atualizada no ano passado, em julho de 2022, o Phytophthora megakarya como patógeno quarentenário, ou seja, uma praga quarentenária ausente do Brasil e conflitando com a possibilidade de permitir a entrada aqui no nosso país”, avaliou.
De acordo com a apresentação, “há elevado risco de que amêndoas importadas da África ‘sem a devida fiscalização e tratamento quarentenário’ cheguem às áreas com cacaueiros vivos”. Na opinião de Jadergudson, o Mapa está ignorando tais riscos. O professor defendeu a revogação da IN 125/2021 e edição de novo documento com as normas fitossanitárias anteriores.
Representante da região de Linhares, Scaramussa cobrou um controle rígido quando da entrada no território brasileiro do cacau advindo da Costa do Marfim, o que representa risco não só para os produtores, mas também para o setor industrial. “Qual o controle que se está dando a esse produto quando ele chega aqui?”, indagou.
Controle dos preços
Participando da audiência em formato virtual, a presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC), Vanuza Barroso, falou dos desafios da cacauicultura no Brasil e fez críticas às indústrias e ao trabalho do Ministério da Agricultura a partir da edição da norma em vigor. “Nós, produtores de cacau, ficamos extremamente revoltados com essa posição que o Ministério da Agricultura tomou ao publicar a IN 125”, desabafou.
“Tudo que está acontecendo hoje, já aconteceu lá atrás, e de uma forma (…) muito esperta a indústria tenta manipular os órgãos para que ela consiga trazer o cacau mais barato do mundo (…) oriundo de mão de obra escrava e infantil de países extremamente pobres”, afirmou.
Com base em um documento obtido junto ao Mapa, Vanuza Barroso destacou que a Phytophthora megakarya tem potencial de entrada médio e de estabelecimento alto, bem como potencial de dispersão alto e de dano econômico alto no Brasil. Conforme afirmou, a presença tanto desse patógeno quanto da Striga spp. já foi constatada pelo país africano.
Outra crítica foi direcionada à rapidez com que a IN 125 foi publicada: nove dias. “Ou seja, não tivemos nem tempo de ter um conhecimento disso tudo para debatermos, conversamos, entrar com pedido de revisão, enfim, está mostrado aí, está amplamente comprovado que a instrução normativa foi feita de uma forma imprudente, conivente com a indústria”, salientou.
Ao todo, 34 mil toneladas de cacau já chegaram neste ano no porto de Ilhéus. “(Em) 2022 nós produzimos 290 mil toneladas. A indústria diz que ela tem a capacidade de 275 mil toneladas. Só que ela só mói 220 mil toneladas. E aí ela ainda traz 34 mil toneladas de fora. Por que ela faz isso? Obviamente para controlar os nossos preços. E ainda temos uma instrução normativa que facilita a vida da indústria.”
O secretário-executivo da Associação dos Cacauicultores do Espírito Santo (Acau), André Luiz Carvalho Scampini, reforçou os riscos de proliferação de pragas de cacau no Brasil e impacto negativo que teria na economia, como foi observado na época da vassoura-de-bruxa. Para ele, os produtores têm motivos “mais do que suficientes” para se preocuparem com a introdução de um novo patógeno.
Uma das justificativas para a importação do cacau africano, segundo disse, é um benefício tributário oferecido pelo governo federal que chama drawback. “Todo produto industrializado que for ser exportado pode ter suspensão, isenção ou restituição de imposto”, explicou. Um relatório apresentado pelo secretário-executivo mostrou que, juntamente com os equipamentos petroquímicos, o cacau é o único que consegue 100% de participação do drawback.
A legislação do drawback, no entanto, detalha que os benefícios fiscais podem ser concedidos sem, necessariamente, a obrigatoriedade de importação, ponderou Scampini, podendo-se usar a produção nacional.
Equilíbrio
Representando a indústria de equipamentos, processamento de cacau e chocolates no estado, Luciano França defendeu que o assunto fosse debatido a partir de outras perspectivas. Ele alertou sobre a iminente chegada de uma praga conhecida como monília (já registrada no Acre) e cobrou a adoção de tecnologias para garantir a produtividade mesmo em um eventual contexto desfavorável.
Sobre as importações, afirmou: “O Brasil realmente não é autossuficiente em cacau”. “O mercado é muito grande”, completou. De acordo com sua avaliação, quem dita preço é o mercado internacional. “A indústria não tem cacau interno para moer, é pouco, por isso que importa”.
“Essas discussões são importantes em paralelo com o mercado. A gente não pode esquecer que sem o comprador de cacau a ‘roda não gira’”. França cobrou equilíbrio e ouvir ambas as partes para se chegar a um denominador comum. “O mercado dita quais são as regras, para se adequar não é fácil. Então a gente tem que ter um certo cuidado para que a gente não colha coisas ruins olhando só por um lado do prisma”, finalizou.
Como deliberação, o parlamentar Lucas Scaramussa adiantou que reunirá o teor do debate e buscará viabilizar o pleito junto às forças políticas capixabas no Estado e em Brasília. Também participaram da audiência os deputados Lucas Polese (PL), João Coser (PT), Coronel Weliton (PTB) e Janete de Sá (PSB), além da presidente da Associação de Cacauicultores do Espírito Santo (Acau), Kellen Scampini; e do vice-presidente da ANPC, Mauro Rossoni Júnior, entre outras autoridades da área.
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